"...há muito a fazer para estimular e acrescer o lugar e a contribuição dos idosos na sociedade, na família e também nas instâncias públicas e administrativas"
D. Manuel Clemente - Uma Casa Aberta a Todos
Nas últimas semanas, os idosos têm sido alvo de uma noticiabilidade que reflete situações de enorme gravidade.
Alguém fez disto tema de debate político-partidário? Não. Os mais velhos quase nunca entram nas agendas políticas de deputados ou governantes. E quando conseguem tal feito, o assunto esgota-se rapidamente, sem dar espaço a qualquer ação. São mais de dois milhões os idosos do nosso país. Boa parte deles vivem sozinhos, arrastando maleitas que o Serviço Nacional de Saúde não consegue tratar. Também os serviços domiciliários se revelam escassos para responder a tanta procura. Alguma vez, em Portugal, fizemos um debate sério, profundo, consequente acerca das políticas públicas para a terceira idade? Não. Mas fomos céleres em retirar especialidades dos hospitais e em fechar tribunais e escolas das regiões do interior. Eis aqui mais uma variável que empurrou os mais novos para as cidades e, consequentemente, deixou ao abandono os idosos que habitam lugares cada vez em maior isolamento.
Mesmo nas cidades maiores, o destino dos mais velhos não deixa de ser problemático. Em janeiro, os hospitais portugueses contavam 200 idosos com alta clínica, mas que continuavam internados por não ter para onde ir. O Ministério da Saúde vem tentando transferi-los para lares apoiados pela Segurança Social, mas ontem, em declarações ao DN, o presidente da União das Misericórdias portuguesas lembrava que "deixar as pessoas nos hospitais não pode ser garantia de vaga num lar". Porque não há lares em número suficiente para tanta procura e também não é possível multiplicar aí o número de camas. O sistema pode colapsar a qualquer momento. E isso não tem merecido a devida atenção.
Ainda ontem a imprensa noticiava o relatório anual da Associação de Apoio à Vítima. O JN, por exemplo, titulava que a "violência contra idosos aumentou 10 por cento". Todas as semanas, 16 idosos são vítimas de atos violentos de forma continuada. Como é possível noticiar tamanha atrocidade sem que nada aconteça? Tal como o discurso político fez da violência doméstica entre casais uma prioridade, há também que olhar com igual importância para os idosos, que são certamente o grupo da população mais silencioso e mais indefeso.
Vivemos, por estes dias, em pré-aquecimento para a campanha eleitoral. Que bom seria se se introduzisse, para além das infrutíferas discussões que os partidos vão inventando, o tópico das políticas públicas dirigidas aos idosos. Se há indicador fidedigno da maturidade de uma democracia, é por certo a sua capacidade de endereçar, na discussão e na ação, os problemas das franjas mais desprotegidas, justamente aquelas que têm lugar cativo em confrangedoras espirais de silêncio.
Felisbela Lopes
Professora associada com agregação da UMinho
in Jornal de Notícias, 28.03.2015 |